O celular e o livro


São Paulo. Dia congestionado. As pessoas correm por todas as direções, em todas as plataformas de metrô. Uma confusão, uma bagunça, uma baderna. Uma gritaria, um falatório...

Atrasos, corre corre, gente pede licença, pessoas correm cada vez mais rápido e falam ao celular, pessoas brigam, pessoas simplesmente andam. O concreto domina a paisagem, o sistemático e prático dando lugar ao emocional. O dinheiro, o trabalho, o esforço, a falta de ligação com quem quer que esteja correndo ao seu lado. Atrasados, todos juntos.

E no meio do caminho, tinha uma pessoa lendo. Sentadinha, em meio a baderna, em meio ao balbúrdio, uma garota linda, só ali sentada, lendo. Um livro grosso, com uma capa dura bonita e vermelha, uns escritos em dourado. O título era algo sobre um sentimento que faz com que algumas pessoas se sintam boas demais para fazer certas coisas, unido a uma outra palavra que significa um julgamento prévio sobre alguém ou alguma coisa. Uma escritora inglesa de um século muito antigo para ser relevante nos dias atuais, em que o predomínio é da sistemática.

A garota vira a página com um dos dedos finos e delicados, a pele alvíssima e os cabelos ruivos. Algumas sardas pontuam seu rosto, enquanto ela atentamente passa os olhos pelas palavras e sorri de vez em quando. Levanta a cabeça do livro em certos momentos, observa o movimento e volta a ler. Ela espera o metrô, mas não está assim tão interessada no estresse. Prefere esperar quieta, silenciosa, mesmo estando um pouco atrasada. Nervoso não a levaria a nada.

Um homem passa apressado pela estação de metrô. De terno, camisa branca, gravata vinho e sapato social, carregando uma maleta de aparência importante. Gerente de um famoso banco da cidade, ele dá uma leve corrida, enquanto saca o celular do bolso do paletó e começa a discar números e marretar a pequena tela com os dedos grandes. A pisada forte, o rosto impassível, o olhar rígido. Uma marcha rápida até conseguir chegar perto do local onde teria que esperar. Ele olha para os lados rapidamente, entre uma ação e outra no celular, e suspira, percebendo que terá que esperar um pouco até o próximo metrô chegar.

A garota, sentada nos bancos ao lado do homem, levanta os olhos do livro rapidamente e encara o rosto dele, virado para ela. Analisa a roupa, a exatidão da repartição no cabelo, a barba bem feita e o porte rígido e discilplinadamente assustador. Sorri, pensando que a vida dele deveria ser muito chata. Rapidamente desvia o olhar quando ele olha para ela.

O homem levanta os olhos do celular e vê a garota ali parada. Linda, mas louca, é o que ele pensa. Ler sobre "amor verdadeiro", perder tempo com livros... isso não a levaria a nada. Sorri, pensando na alma de artista e apreciador de arte, que muitas vezes leva os outros a loucura e a pobreza. Rapidamente desvia os olhos, quando percebe que o metrô se aproxima.

Ele entra no metrô e senta-se num dos únicos lugares disponíveis, esperando a enxurrada. Ela senta-se ao lado dele, no outro único lugar disponível.

Quando ela pega a bolsa para guardar o livro, bate acidentalmente no braço dele e faz com que o celular saia voando. No susto, o livro acaba voando no sentido contrário. O livro para no pé dele. O celular no pé dela.

Os dois pegam rapidamente os pertences alheios e, sorrindo com o lapso momentâneo, olham um para o rosto do outro. Um pequeno momento de alegria trocado num dia cinza e nevoento. Coisas pequenas que representam dois mundos colidindo. Uma pequena flor nascendo no asfalto duro e áspero da cidade. Um pequeno sorriso experienciado entre duas pessoas.

Como confidentes, os dois continuam se olhando durante a viagem. Finalmente ele tenta puxar conversa. Pergunta sobre o livro, e ela responde sem pestanejar. Puxa outras conversas, e mais outras. Os dois acabam se conhecendo e descobrindo no outro uma visão de mundo que nunca teriam sozinhos.

O ponto do rapaz é o próximo. O dela é o imediatamente depois. Um sentimento engraçado toma conta dos dois, mas nada acontece naquele dia. Não é necessário. Porque os dois ainda vão se encontrar muitas vezes no mesmo metrô. Até que um dia algo aconteça.




Comentários
23 Comentários

23 comentários:

  1. Oie,
    adorei o texto. Bem diferente. É seu??

    Mto fofo!!

    bjos

    http://blog.vanessasueroz.com.br

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  2. Que texto lindo Renato, eu consegui imaginar a cena com uma facilidade incrível, fiquei deslumbrada com a forma serena, calma e suave que você utilizou para descrever tudo. Eu acredito que esse tipo de coisa possa acontecer no mundo real, por mais que digam ao contrário, mas acontece sim, é sempre possível, e muito, muito bonito mesmos. Ah, e, ela estava lendo Orgulho e Preconceito, certo? rs'
    Beijos

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  3. Renato foi você quem escreveu? Ficou muito bom! A situação caótica e fervente em São Paulo é capaz de produzir coisas bonitas também, hem?

    Esperamos que seja capaz de transformar algo também. Como pode o país avançar em direções opostas ao mesmo tempo, porque é o que parece acontecer ultimamente.

    Gostei do texto, muito mesmo. O autor está de parabéns.

    P.s.: Não pude evitar compara-los à Liz e Darcy. ;)

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  4. Que fofo esse texto, ficou uma graça a história! Foi bem ambientada, gostei de ver isso da correria do dia a dia construindo uma história. É fácil imaginar acontecendo...oun *-* foi fofo!

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  5. eu não acredito , mas li ele todo , e achei super lindinho , é seu mesmo ?!
    se for , meus parabéns....
    pra ver como é a vida né , talvez seu grande amor esteja na sua frente e você não consiga reconhe-lo.

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  6. Foi muito bonito! Acordei do cochilo e abri minha cx de emails e lá estava esse texto. Me perdi lendo, gostei muito, parecia uma noticia sobre o alarmante protesto em SP e vejo essa coisa tão linda.
    Parabéns.
    Adorei!

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  7. Que texto lindo! Parabéns!
    Consegui imaginar o cenário e os "personagens" no nosso dia-a-dia agitado =)
    Adorei!

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  8. Nossa, amei de verdade. Já conheci uma pessoa exatamente no ônibus com um livro. Não era um amor, mas era um professor de literatura muito gente fina que me deu ótimas dicas de leitura. Acho lindo pensar nesses caminhos que se cruzam por acaso. Parabéns, Renato! Mandou muito bem! =)

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  9. Adorei o texto, foi uma graça e eu estava esperando por um texto assim. Foi muito Lizzie e Darcy, mesmo, e isso ainda o deixou mais especial!

    Parabéns, ficou ótimo.

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  10. Isso virou um filme na minha cabeça! Adorei!

    www.fizdecanetinha.com

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  11. Ameiii o texto, me identifiquei com ela na parte de esquece o mundo, pq onde eu estou sempre vou estar com o rosto num livro ñ importa o lugar *-*

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  12. aaaaaaaai quanta fofura!!
    O melhor foi ler e imaginar a cena *-*
    adorei! foi você que escreveu?
    beijos

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  13. Que texto lindoo!! Consegui imaginar cada detalhe da cena que vc descreveu!

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  14. Own... muito bom o texto, como muitos já comentaram, consegui com facilidade imaginar a história...

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  15. Adorei a historia, flui a imaginação, inspiradora !!!

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  16. Belo texto, Renato! Foi você mesmo quem escreveu? Se tiver sido, parabéns! Você descreveu tudo tão bem, com tantos detalhes que consegui imaginar a cena! Um ótimo texto para o dia dos namorados e pra todos os outros também! ;)

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  17. Olha que texto legal!!!!!
    Essa situação é muito corriqueira. Nada como pararmos um minutinho pra conhecermos novas pessoas com histórias tão interessantes como as nossas.

    @_Dom_Dom

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  18. Ameeeei esse conto também!!!
    Lindoooo^^
    Ficou com gostinho de quero maaaais!!!
    E o livro que ela estava lendo, é "Orgulho e Preconceito"?

    é por isso que eu gosto de andar de ônibus, têm casa gatões, rsrsrs!

    Beijos ;P

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  19. Isso mostra que o amor aparece quando menos se espera e com pessoas totalmente diferentes!
    Ana.
    http://umlivroenadamais.blogspot.com.br/

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  20. oiie Renato
    Adorei o texto
    realmente lindo...
    sua forma de escrever é leve e envolvente, começamos a ler e ja ficamos curiosos com o desenrolar da história...
    Parabens

    bjinhos

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  21. A história ficou maravilhosa, a melhor parte é que poderia acontecer com qualquer um, exceto eu é claro pq aqui onde eu moro não tem metrô, mas o fato é que ficou realmente boa.

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  22. Que texto lindo, foi você que escreveu..se foi parabéns.
    Achei mega fofo, e realmente o amor acontece assim so no olhar..as vezes vejo pessoas falando como so de olhar ja ta apaixonada..para pessoas como eu..sim! rs.
    beijos.

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  23. Que texto lindo *-*
    a cara dos leitores tambem né! rsrs
    Parabens, ficou muito bacana mesmo.


    Beeijinho. Dreeh
    Livros e tudo o que há de bom

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