Sentimentos de Verão


O sol quente fazia com que os cabelos ruivos de Sophia reluzissem como ele próprio, tremulando ao vento forte, enquanto a garota corria. A campina verdejante e viva, no ápice do verão, exalava o cheiro forte e doce de grama recém-cortada e de flores típicas do mês de janeiro.

A luz abundante fazia com que tudo ao redor ficasse bonito e claro, as cores sobressaindo. O calor que emanava do sol era forte e consistente, parecendo fazer pressão sobre Sophia. Uma árvore grande e única, para onde a garota corria, fazia uma sombra vasta e gostosa, quase como um oásis no meio do deserto. Exceto que ali a água era abundante, refrescando os pés e o rosto de Sophia. Grandes poças no meio do campo verde sujavam os pés da menina, mas ela nem ligava: queria mesmo era sentir um alívio no meio de tanto calor.

A árvore chegou mais rápido do que Sophia achou que seria. Sentindo a sombra fria e escura chegar, se preparou para a mudança de temperatura e mergulhou naquilo que era mais agradável, no momento. Deliciou-se quando sentiu um leve calafrio, e sentou-se encostada no tronco frondoso da árvore. Ali ela poderia descansar por um tempo.

- Ei, quem é você? Sai daqui. Essa é a minha sombra - veio uma voz, de algum lugar acima da cabeça de Sophia.

- Hm. Quem é que está falando comigo? - Sophia olhou para cima, e foi recebida com um jato de água bem no rosto.

- Sabe, eu pensei que você fosse um pouco mais esperta - retrucou Thiago, rindo enquanto Sophia abaixava a cabeça e tentava limpar a água dos olhos. - E isso é só um pouco de água da minha garrafinha, meu Deus. É filtrada, nada demais. Se quiser tenho mais, pra você se refrescar.

Ele estava sentado em um dos galhos mais baixos da árvore, com um squeeze na mão e um sorriso no rosto. A bermuda jeans e a camiseta azul simples, os pés descalços. O porte físico era simples, também. Nada de músculos ou gorduras. O cabelo louro e pouco comprido todo desarrumado, os olhos verdes, quase azuis, reluzindo com o sol, um pouco fechados por conta da sensibilidade.

Sophia conseguiu finalmente olhar para ele quando Thiago pulou do galho, caindo levemente no chão e ficando em pé à sua frente.

- Como é o seu nome, rouba-sombra? - sorriu ele.

- Eu me chamo Sophia, e você é muito inconveniente. E chato. E terrivelmente mal educado. - Sophia fechou a cara numa expressão brava e tentou se levantar, para sair do foco de Thiago - Agora por favor, me dê licença.



- Ei, porque tudo isso? - falou Thiago - É só água. Não morde, não machuca... é água. Epa, calma aí, rouba-sombra. Não vá embora! Não quer saber pelo menos o nome do cara que te feriu gravemente com água?

Sophia tentava se desvencilhar, mas Thiago insistia em ficar à sua frente.

- Olha, eu não posso gritar pra ninguém porque infelizmente vim pra cá sozinha. Mas eu juro que tenho uma direita muito boa. E meus joelhos costumam machucar bastante as partes íntimas dos caras que tentam alguma coisa comigo...

Thiago jogou a cabeça pra trás e riu.

- Cara, sua imaginação é demais - Thiago estendeu a garrafinha para Sophia - Só queria te dar água. Não vou te estuprar, ou sei lá o quê você pensa que eu poderia fazer.

Ela continuou com a cara fechada, mas estava com bastante sede. Pegou a garrafinha, então, meio devagar, quase com medo do que poderia acontecer. Ele apenas a entregou e levantou as mãos, como se estivesse dizendo não ter feito nada.

- A propósito, sou o Thiago - ele falou, enquanto Sophia estava ocupada demais matando a sede imensa. - E estou na fazenda aqui perto, de férias.

- Obrigada, Thiago-da-fazenda-de-férias - falou Sophia, entregando-lhe de volta a garrafinha. - Mas eu não estou aqui pra fazer biografia de ninguém. Será que agora eu poderia, por favor, sair daqui e voltar pra minha família?

Sophia tentava se desvencilhar de Thiago novamente, que insistia em continuar na frente dela.

- Só se você me disser o que está fazendo aqui. Você mora aqui? Vem aqui sempre? Rouba a sombra das pessoas sempre que as encontra?

Sophia desistiu de tentar passar por Thiago e, por fim, sentou-se, vencida. Deixou a cabeça cair pro lado e fechou os olhos.

- Você não vai falar comigo? - falou Thiago, sentando-se na frente de Sophia. - Eu juro que não sou um assassino em série.

Um pequeno silêncio se deu entre os dois. Thiago olhava para o rosto de Sophia, encarando-a. Sophia sentia o olhar de Thiago e tentava ignorá-lo. Ela não gostava da presença de garotos, mas Thiago parecia um pouco diferente. Não se sentia mal em estar sendo vista e encarada por ele. Quando o garoto, então, fez menção de falar, Sophia interrompeu-o e começou:

- Eu sou a Sophia - falou. - Moro aqui perto, meus pais são caseiros de uma casa de veraneio. É bem normal pessoas virem aqui de férias, como você. Sim, eu venho sempre aqui. Amo essa campina. E não, não costumo roubar sombras, porque nunca fiz isso, na verdade. Essa sombra, até onde eu sei, é pública. Qualquer um poderia usá-la.

Sophia se calou e deixou as palavras ecoarem. Ainda de olhos fechados, esperou por uma reação do garoto a sua frente. Passado alguns minutos, percebeu que ele não iria dizer nada e resolveu baixar a guarda, abrindo os olhos. Ele ainda estava ali, e olhava fixamente para o rosto dela.

- Quantos anos você tem, Sophia? - perguntou Thiago, parecendo fascinado com a garota.

- Dezenove. - ela respondeu, um pouco mais confiante no garoto. - E você?

- Tenho dezoito. Mas sabe, gosto muito de mulheres maduras. - sorriu Thiago.

Sophia rolou os olhos e fez uma expressão de nojo um pouco fingida. Estava gostando do garoto.

- Você é sempre amarga assim ou tem dias especiais para isso? - falou Thiago, diminuindo um pouco a distância entre eles.

- Só de quartas e sextas - falou Sophia, sorrindo um pouco - Mas no geral, costumo ser bem legal.

- Acho então que vou ter que voltar amanhã. - Thiago falou, fingindo decepção. - Porque uma garota tão linda como você merece ser conhecida em seu dia legal.

- Você vai parar de me cantar? - Sophia perguntou, fingindo estar brava, olhando diretamente para Thiago.

- Só se você aceitar minhas cantadas - riu Thiago. - Eu costumo ser bom com elas, sabe? Costumo conquistar garotas com elas. Você, aparentemente, foge à regra.

- Eu costumo fugir à regra em várias coisas, Thiago - falou Sophia, lentamente.

- Mal posso esperar pra saber no que mais você é diferente... - Thiago aproximou-se mais um pouco de Sophia. Ela não reagiu. Começara a apreciar a presença do garoto tão másculo e seguro de si. A maneira de se portar, o jeito de falar... tudo nele fazia com que ela se sentisse um pouco mais próxima dele.

- Você é sempre sedutor assim ou tem dias especiais para isso? - falou Sophia, um sorriso bobo se espalhando por sua face bonita.

- Só de quartas e sextas - falou Thiago, cortando toda a distância entre os dois e ficando a centímetros dos lábios de Sophia. Falava lentamente, a voz grave - Mas, no geral, costumo ser bem romântico.

Ele passou as mãos pelos lados de Sophia e a prendeu em um aperto leve. Aproximou os lábios ainda mais dos dela e fechou a distância de forma vagarosa, desfrutando o momento de pequena intimidade entre os dois.

Sophia sentia os lábios quentes, rígidos e fortes de Thiago e cada nervo do seu corpo parecia estar pulando. Thiago, por sua vez, sentia uma erupção vulcânica dentro de si, o lábio gentil e doce de Sophia o levando à loucura.

A pequena intimidade compartilhada pelos dois garotos cresceu e cresceu, fazendo com que Thiago e Sophia experimentasse o sabor doce e quente do verão. Lufadas de ar faziam com que os dois se sentissem cada vez mais a vontade para continuarem se conhecendo.

- Preciso ir - disse Sophia, rapidamente se desvencilhando de Thiago e se levantando.

- Não! Fica mais um pouco - Thiago tentou puxá-la pela mão, mas ela soltou-a e olhou para o garoto sentado.

- Vamos nos ver por aqui de novo amanhã? - falou Sophia, sorrindo e afagando os cabelos de Thiago.

- Podemos nos ver, sim... amanhã, nessa mesma hora. Pode ser?

- Por mim tudo bem - falou Sophia, se preparando para correr de volta na direção de onde viera. - Até amanhã, então.

- Até amanhã.

Mas Thiago viajaria naquele dia de volta para casa. Tivera medo de confessar-lhe e decepcioná-la. Esperava que um dia pudesse voltar e rever Sophia, mas enquanto esse dia não chegasse, eles teriam que esperar.

Sophia voltou, no dia seguinte, e procurou por Thiago. Ficou na sombra da árvore até não existir mais sombra nenhuma, com o sol se pondo. Resolveu que não confiaria mais em garoto algum, e chorando voltou para casa. Secou as lágrimas e fechou o coração.

Cinco anos depois

Sophia correu para a árvore frondosa no verão daquele ano. Saíra do interior, estudara, se formara, e voltara para dar aula em uma pequena escola da cidade. A escola ficava bem atrás da árvore, e ela precisava passar por ali todos os dias. Todos os dias se lembrara daquele dia, naquele verão. O fatídico dia em que, tão subitamente Thiago entrara quanto saíra.

Ainda hoje era totalmente fechada para o amor. Se sentia presa à um amor longínquo, aguardando uma possível volta, aguardando um dia pelo garoto que há tanto tempo a deixara ali. Como se um dia ele fosse voltar, dar as mãos para ela, e tudo voltaria a ser como tinha sido há cinco anos...

O sol estava bastante quente naquele dia, e Sophia decidiu parar para descansar embaixo da árvore frondosa e fria. Colocou a bolsa e os cadernos em um canto e sentou-se ao lado.

- Ei, quem é você? Sai daqui. Essa é a minha sombra - veio uma voz, de algum lugar acima da cabeça de Sophia.

Sophia, espantada, elevou rapidamente a cabeça e recebeu um jato de água em sua face. Sem pestanejar, abriu os olhos e o viu.

Mais velho. Maior. Mais bonito. Mas decididamente, o mesmo Thiago de cinco anos atrás.

Sem fala, não sabia o que fazer. Thiago, então, pulou do galho sobre o qual estava sentado e caiu graciosamente no chão, como fizera há cinco anos.

- Desculpe o atraso - sorriu ele. - Mas é que tive alguns problemas para resolver antes de vir pra cá.

Sentando-se em frente à Sophia, pegou suas mãos.

- Você... veio? - Sophia o encarou.

- Sim. - ele falou, olhando nos olhos dela.

Uma pausa de fascinação ficou entre os dois. Um contemplando cada centímetro da face do outro, como se tudo pudesse acabar em segundos, em um piscar de olhos.

- Agora - sussurrou Thiago, aproximando-se de Sophia - Onde é que nós tínhamos parado?

E cortando rapidamente a última fatia de distância que separava os lábios dos dois, Thiago beijou uma sorridente e lacrimosa Sophia.

FIM
Comentários
14 Comentários

14 comentários:

  1. Gostei bastante desse conto, mas confesso que tive raiva do casal. Dele, porquê omitiu que ia embora e deixo-a esperando no dia seguinte, e dela, porquê não deu-lhe uma bela de uma bofetada. kkkkkkkk

    @_Dom_Dom

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  2. Amei demais o conto!! Só achei q o relacionamento deles começou rápido demais mas mesmo assim me cativou bastante!!

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  3. Achei bem legal esse conto , me peguei rindo logo no começo :)

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  4. Lindo, mas que garoto..não contou para ela..e como ela fica cinco anos sozinha e fechada para o amor porque um garoto deu um beijo e sumiu..mas fofinho apesar de ficar com raiva desta garota..rs.
    beijos.

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  5. Como não gostar do Thiago? Que conto fofo, romântico e delicioso de se ler, acho que todo mundo precisa ler contos assim vez ou outra, limpa a mente, o coração e acaba nos fazendo acreditar que o amor ainda existe no mundo, nada melhor do que essa frase para me fazer sorrir feito uma boa: "- Agora - sussurrou Thiago, aproximando-se de Sophia - Onde é que nós tínhamos parado?"
    Beijos

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  6. Muito fofo o casal, tiveram umas cenas que deu vontade de fazer 'oooown'. Eles dois juntos são uma gracinha, adorei principlamente essa parte: (é fofura demais)

    - Quantos anos você tem, Sophia? - perguntou Thiago, parecendo fascinado com a garota.

    - Dezenove. - ela respondeu, um pouco mais confiante no garoto. - E você?

    - Tenho dezoito. Mas sabe, gosto muito de mulheres maduras. - sorriu Thiago

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  7. Que doçura de conto! Essa coisa de rouba-sombra pra cima de uma menina com resposta pra tudo me lembrou "A Marca de uma lágrima", eterno rei das leituras na idade escolar. Muito bacana mesmo. Só fico triste porque esse foi o último, né? Não era só o mês de junho?

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  8. Que legal essa conto! Ficou bacana, mas deu raiva em algumas partes heim. Cruzes! Ahh, mas o final foi tão fofo! *-*

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  9. Que conto fofo!! Mas bem que ele podia ter contado pra ela que ia embora, deixou-a esperando 5 anos, tadinha.
    Parabéns!

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  10. ahhhhh que perfeitoooooo
    ameiii o conto, 5 anos de espera mais valeu a pena !!
    ahh quero um thiago kkkk

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  11. Renato, tu tem um pequeno e nada discreto dom para romances instantaneamente arrebatadores e fofo, hem?
    De fato, a "agilidade" de Thiago me provocou certo espanto, mas nunca se sabe né? Inegavel, é que, pelo visto, ele abalou completamente a jovem Sophia. Sim, porque algumas horas levarem a cinco anos de espera... mas nada nesse mundo parece ser impossível para a complexidade dos sentimentos, né?
    É estranho e injusto como insistimos em acreditar que sentimentos desagradáveis por alguns instantes anulam todos os bons, mas que um sentimento bom por alguns instantes não possa consistir em uma promessa sincera por tempo indeterminado. Parece que antigo ou moderno, estamos fadados ao pessimismo.
    Acho que por isso histórias simples e cativantes como a sua causam, simultaneamente, estranheza e desejo.
    Parabéns, Renato. Ficou bem legal mesmo.

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    1. Obrigado, Dany!! E a gente não precisa ser pessimista o tempo todo, certo? Conheci várias pessoas que viveram esses amores arrebatadores de verão e nunca superaram de verdade... decidi apenas dar um final feliz pro Thiago e pra Sophia. Entretanto, se.cada um seguisse com suas vidas relembrando sempre aquele verão, mesmo casados e com filhos, os nomes deles poderiam ser João, José, Maria, Ana... todos temos amores de verão :)
      Um beijo! Adorei seu comentário!

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  12. Oiieee..
    Adorei o conto...
    Gosto quando ha passagem de tempo, pq assim vemos o q acontece com os personagens!

    bjs

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  13. Uau, belas descrições.. consegui me imaginar debaixo da árvore, com todo aquele sol e águas.Tão bom reencontrar um amor, principalmente se ficou esperando por ele há cinco anos, porém penso que Sophia merecia uma explicação mais convincente. Pois sim, foi um amor quase a primeira vista. Adorei! ;)
    Escreva mesmo Renato, seu conto acendeu uma luzinha aqui no meu coração, no que diz respeitp a ser "totalmente fechada para o amor". Parabéns!
    Bye da Pah
    Livros Estrelas

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