[Conto] Lembranças



"Ela estava sentada, quieta, totalmente imóvel. Quem olhasse talvez a confundisse com uma das estátuas do local, exceto pela sua tristeza evidente. Olhos brilhantes, rosto duro, tomado de pesar. A garota com o vestido verde de verão era mais uma dentre tantas outras espalhadas no local. Tantas outras, embora apenas uma pudesse ser chamada de linda, radiante. O local vibrava de murmúrios alegres, comentários sobre a decoração, o altar... o vestido.

Ela, por outro lado, era uma estátua de pesar, relembrando o que só sua memória poderia lembrar. Estava ali, naquele banco duro, cercada de tantas outras pessoas alegres e felizes, mas ela realmente não estava naquele lugar... Sua alma não estava ali.

Foi em um dia de verão como esse, há tantos anos atrás. O sol brilhava no cabelo de um garoto que seguia com seu irmão por uma estrada de terra, voltando para a casa da fazenda. Ela os viu quando passava de carro a caminho da nova casa. Ela ainda não os conhecia, mas logo isso iria mudar. Assim como ela fez, há poucas semanas, vindo para esse lugar calmo e pacato: o campo. Era uma garota da cidade. Sempre foi. E agora? Um novo lugar, uma nova vida. Novas amizades também. Algumas semanas e uma melhor amiga com quem sempre contar. Alguns dias e um novo amor. Bastou isso, simples dias, nem mesmo uma semana.

Não deveria estar surpresa quando ela lhe deu aquela carta, vinda de seu irmão. Quando a leu olhou incrédula para a melhor amiga. Ou como esta brincou mais tarde “futura cunhada.” A carta mais linda que já leu. As palavras mais simples, com tantos significados...

Meses, anos, amizade que virou amor. Eram tão jovens... E não passaram das cartas e dos olhares, não sabiam como jogar esse novo jogo tão complicado chamado amor. Não souberam também quando o tempo passou. Ela se mudou novamente. Ele nunca lhe disse nada, a não ser por aquela carta. Cresceram.

Um dia ela voltou. Passou três dias hospedada na casa de sua antiga melhor amiga. Três dias que passou com ele ao seu lado. Três dias de olhares e silêncios constrangedores...e dolorosos. Ele tinha se tornado um homem. Um homem muito bonito.

Na ultima noite, ela não suportava mais. Saiu para beber, se despedir da amiga em grande estilo. Elas foram para um bar, depois uma boate. Sua amiga mal parava em pé no fim da noite. Tiveram de chamar o irmão para buscá-las. Ele ajudou sua irmã a subir as escadas. Esta caiu na cama tão logo entrou no pequeno apartamento, e adormeceu depressa. Mas ela não conseguiu olhar para ele durante aquele tempo, sozinhos na sala. Ele a ajudou a se sentar no sofá. A garota se atrapalhou com os saltos e acabou caindo encima dele, ambos desabando no sofá. Seus corpos tão juntos. Ele tão quente embaixo de si. Através da luz da rua seu cabelo ainda brilhava como da primeira que ela o viu. Ela não suportou. Aqueles olhos eram demais para ela. Sabia que iria embora no dia seguinte e tinha a sensação de que não o veria por muito tempo. Ela se inclinou, de repente, sem pensar. Só agiu por impulso. Talvez a bebida tenha lhe dado coragem, não sabia. Seu cérebro gritava não, seu coração berrava que sim. E ele correspondeu.

Naquela noite ela foi dele pela primeira e ultima vez. Nunca tinha feito nada igual e ele sabia disso. Cuidou dela. Amou-a. Devagar, com carinho. Rápido, com paixão. Sucessivas vezes naquela única noite.

No dia seguinte ela acordou e ele não estava ali. A cama dele vazia, exceto por ela. Fria. Seu voo partia ao meio dia. Foi para a cozinha e descobriu através da amiga que ele já havia saído para trabalhar. Despediu-se da melhor amiga mais tarde, que pediu desculpas pelo irmão outra vez: “Um imprevisto no trabalho. Ligaram logo cedo e ele saiu às pressas.”

Agora ela estava ali, naquele banco de igreja. Lamentando por naquela manhã não ter se sentado naquele sofá e armado acampamento à espera dele. Mas se sentiu rejeitada. Sofria calada e foi embora assim. Ele não a queria, fora um caso de uma noite. Talvez ele tivesse pena dela, bêbada como estava... Ela se foi sem lhe dizer que o amava com todo o seu coração desde que pôs os olhos encima dele. As vezes amar demais não era suficiente...

Neste momento, ele dizia “sim”. E foi então que ela se levantou. Seu vestido de verão contrastando com o tapete vermelho quando se dirigiu para a saída da igreja. Parou por um instante, na soleira da grande porta. Virou-se e olhou para o altar. Lágrimas molhavam seu rosto, borravam sua visão. Ele estava tão bonito de terno, cabelo penteado para trás, gravata, sapatos brilhantes. Tão bonito como nunca o vira antes. “Sim”. Uma simples palavra e seu mundo desabou. E ela se lembrou de que dia era hoje . Soube naquele momento que “feliz” nunca mais viria antes da frase “dias dos namorados” para ela. Saiu, deixando para trás seu coração naquele altar.

Num ultimo momento, antes dela desaparecer pela porta, ele a olhou e baixou a cabeça."

Texto enviado através do Concurso Cultural Especial de Dia dos Namorados. 3º Lugar.
Autoria: Cristiane Dornelas Silva. 
Proibido copiar ou reproduzir sem autorização.

Comentários
14 Comentários

14 comentários:

  1. No momento estou chorando rios :'(
    Esse texto é lindo demais e ao mesmo tempo tão triste... A Cristiane fez um ótimo conto, pude sentir a dor da personagem ao ler

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  2. Nossa, que doloroso ler esse conto, a autora conseguiu traduzir tão perfeitamente os sentimentos da personagem que eu senti a dor, a angústia dela, eu senti o meu coração se partindo junto ao dela, eu não imaginava que eu um conto seria capaz de fazer isso comigo, e esse final então, é capaz de deixar qualquer um desolado...

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  3. Ah, lindo texto. Parabéns para a Cristiane que MUITO MERECIDAMENTE vai levar a diva da Emily Giffin para casa. Cris, você tem blog? Posta a continuação, vai! Deixa os dois serem felizes =(

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  4. Que texto lindo :(
    Dá pra sentir a a angústia que a personagem sentiu, parabéns você escreve muito bem.

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  5. Ai que fofo! É esse coisa ruim do caramba que escrevi num momento horrível. Ai, tenso não é? Legal que foi "ao ar", valeu gentes!

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  6. Muito bom o texto...apesar de não ter um final feliz. E parabéns pra Cristiane por escrever bem.

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  7. pouxa...
    triste, mais gostei do conto ele e perfeito
    parabéns Cristiane.

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  8. Que triste :'(
    Nossa, arrepiei de tristeza, anao :(
    podia ter o Lembranças 2 e eles juntos ç.ç
    Emocionante, parabéns mesmo, adorei.

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  9. Muito tocante e emocionada, belas palavras!
    Para mim tinha que ser o primeiro lugar!
    bjs

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  10. Poxa, que triste, mas ainda assim uma linda história. Adorei o conto, muito bem escrito.

    Beijos!

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  11. Isso é o que dá quando não falamos as coisas que estamos sentindo. Vem outro mais esperto e leva a melhor. Rsrsrs
    Parabéns pelo conto!!!

    @_Dom_Dom

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  12. gostei do texto, pena ser triste :(
    Parabéns ao 3ª lugar :*

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  13. OWN *-* que texto lindo.
    me emocionei no final :')

    eu esqueci de mandar o meu para o concurso..
    raiva ao extremo. mas duvido que eu ganharia algo rsrs

    Beeijinho. Dreeh
    Livros e tudo o que há de bom

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