Dias Perfeitos - Raphael Montes

Ainda da série "em busca de livros que dão medinho", peguei Dias Perfeitos, livro que tenho há dois anos na minha estante, já tinha ouvido muito sobre, mas ainda teimava em deixá-lo sem ler. Num impulso, decidi lê-lo e daí foi difícil largar (veja bem, eu terminei dentro da Bienal).

Téo é um jovem introvertido, estudante de medicina e sua melhor amiga é Gertrudes, uma senhora presente nas aulas de anatomia - estar morta e ser apenas um corpo para estudo não é um problema para ele. Ele mora com a mãe em um apartamento no Rio e essas são as pessoas com quem se relaciona diariamente. Durante um churrasco onde foi acompanhar a mãe, ele conhece a extrovertida Clarice, a moça de humanas. Um pequeno diálogo e, pronto, Téo está apaixonado por ela e precisa encontrá-la novamente. Inicia-se assim, o momento stalker da vida real e diante das negativas de Clarice, ele é obrigado a sequestrá-la. Mas tudo em nome do amor. Ele é um bom cara para ela, só precisa de espaço para mostrar e a convivência é ideal para que ela o conheça e sentimento se torne recíproco. Pelo menos é assim que ele pensa.

Eu li o livro um pouco atrasada, depois de ver inúmeras pessoas impressionadas com a grandiosidade da obra, amigos meus falando que o cara é genial entre outros elogios. O que isso faz com a expectativa? Explode. E, no meu caso, me fez ler com a razão aflorada, atenta para todos os passos e escolhas do autor. Exatamente pelo senso crítico no nível máximo, terminei a leitura ponderando muitos aspectos que me deixaram em dúvida se amei ou se me decepcionei. Um desenvolvimento tão preciso e cruel me fizeram esperar um final à altura, com todas as pontas amarradas em um nó imbatível. Acontece que o final foi surpreendente e talvez isso confunda na hora de avaliar. Ok, foi imprevisível, mas foi satisfatório, foi realmente bom ou o brilho da surpresa cegou? O livro tem inúmeros pontos positivos, mas sabe quando falta o gran finale para o veredito de que o autor é realmente genial? Vou tentar expressar de forma separada, fingindo que ainda não terminei e estou absolutamente impressionada com as atrocidades de Téo.

"Lentamente, Clarice se abria para ele, gostava dele. Era natural: ela não tinha mais ninguém. Ele a alimentava, dava carinho e atenção. O mínimo que podia esperar em troca era aquele afeto sutil, que logo ganharia vigor - ele tinha certeza. No fim das contas, mesmo mulheres feministas e alternativas se rendem a um homem de verdade."

A naturalidade com que é narrado todo o desenrolar da trama é perturbadora. A obra é contada em terceira pessoa e o narrador é totalmente impessoal, sem deixar transparecer o mínimo de julgamento para as atitudes e pensamentos do protagonista, portanto cabe ao leitor formar o pensamento e perceber o quanto aquilo é doentio. A frieza de Téo me assustava e, para piorar ainda mais a situação, ele pensa estar certo, sem a consciência da própria crueldade. Controverso a tudo isso, há certos escrúpulos presentes em sua personalidade e é interessante como até isso é usado para que ele não pareça uma pessoa má como um psicopata pré-disposto a crueldades em série. Ele só fez aquilo por Clarice, mas a respeita (dentro da cabeça dele) e tudo é em prol de um bem maior. O machismo é intrínseco à sua personalidade, como um princípio, uma tradição e leves pinceladas numa cena ou outra nos mostra mais esta faceta do personagem. Tudo isso me enjoou de uma forma que não sei mensurar, mas nada, absolutamente nada me preparou para o que eu presenciaria capítulo 24, onde foi o ápice da minha repulsa e eu parei de ler, totalmente tentada a abandonar o livro. 

É muito claro: o livro é ótimo, tem técnica, afeta as emoções do leitor, mexe com os sentidos, mas os acontecimentos são péssimos, a história é pesada ao mesmo tempo que fascinante, porque é impossível parar e ficar alheio aos eventos descritos. Tudo vai se encaixando e piorando e a falta de discernimento do protagonista é aterrorizante. Não dá para pensar num desfecho suficiente - suficientemente punitivo, suficientemente vingativo, suficientemente corretivo. Mas eu esperava ao menos um final atado, que unisse todas as coisas a que somos apresentados durante a narrativa. Sem contar que ainda achei corrido. Olha só, eu até acho que o livro poderia ter aquele final, mas desde que antes, houvesse um desfecho digno para algumas coisas à altura de todo o desenvolvimento. 

Raphael Montes já entrou para minha lista de autores que vou sempre ler, quero encontrar com ele ainda em O Vilarejo e Suicidas, e indico que entre nas suas leituras também. O final deste livro é altamente discutível, é até corajoso da parte dele, mas achei uma saída fácil diante da grandiosidade de toda a trama. Uma única coisa foi incoerente pra mim e tamanha conveniência me pareceu deslize do autor (a chave das algemas, milagrosamente, ao alcance do refém torturado e a possibilidade ainda de conseguir pegá-la e abrir as algemas - foi difícil visualizar essa cena na minha cabeça, ela parecia inverossímil diante do cenário). Enfim, apenas uma observação diante do todo + a decepção com o encarramento. Há muitos detalhes que enchem a trama e a deixam possível, como a forma que se desenrola o cárcere fantasiado de road-trip, mas prefiro não comentar para não estragar para quem ainda não leu a forma como as coisas se encaixam. Assim como a personalidade de Clarice e suas reações. 

Aqueles que conseguirem encarar a leitura, com certeza ficarão impressionados com o talento inegável do autor e ficarão marcados pela história, assim como eu fiquei. Amando ou odiando, é impossível ser indiferente a Dias Perfeitos.

P.S. Aqui no blog tem outra resenha de Dias Perfeitos, escrita pela Pamela. Clique aqui para ler.
Comentários
1 Comentários

1 comentários:

  1. faz um bom tempo que o li, mas impossível não lembrar bem do quanto o livro é pesado com cenas muito fortes de pura repulsa de um maníaco!
    uma coisa que eu gostei bastante foram as referências a contos de fadas: Terra do Nunca, Alice, entre outras que não estou lembrado agora. Com isso ele deixa bem claro: essa é uma história de conto de fadas dark, extremamente maligna psicótica!
    Li as outras 2 obras do Raphael:
    Suicidas é bom, mas tem muitos personagens, uma trama paralela das mães bem chata, e achei total forçado o modo como ele resolveu contar a história.
    Vilarejo é um bom livro de contos, bem amarradinho, mas como quase todo livro de conto, sempre tem 1 ou 2 que são bem fracos. E a ideia de pecados capitais não é nada original.
    Um ótimo autor nacional que espero que seu próximo romance seja o seu masterpiece, aguardemos!

    ps: fazia muito tempo que eu não vinha aqui, hein? minha vida está bem conturbada, quando eu conto ninguém acredita!

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