Quinze dias, sete anos e a liberdade no tempo

por Gustavo Valim

Olá Gustavo de 2010, tudo bem?

Sou o Gustavo de 2017. Não outro Gustavo. Você mesmo. Eu. Nós dois. Sua versão 7 anos mais velha. Não se assuste e não pense que você está dentro de um livro de ficção científica. Nem que a Tardis seja real. A gente sabe que o único modo de viajar no tempo é pelo vira-tempo da Hermione. Mas enfim. Estou te escrevendo porque você se fez muito presente na minha vida nos últimos dias. Sim, eu ainda me lembro de você. E antes que a sua ansiedade comece a te sufocar por fatos do futuro, más notícias. Esta carta está sendo monitorada. Você sabe o que acontece quando mexemos com o tempo. Então vou tentar fazer o mínimo de estragos possível no espaço-tempo e me concentrarei em você. Sim. Papo reto e sério agora. Acabei de terminar um livro incrível que foi lançado recentemente. O nome é Quinze Dias. E neste momento você deve estar se perguntando "você se deu ao trabalho de mandar uma carta ao seu eu de 7 anos atrás por causa de um livro?". Sim. Mas não trate esse livro como "só" um livro. Essa obra é o motivo dessa conversa. Foi por conta dessa história que decidi te escrever. Porque ela me fez lembrar totalmente de você.

Só para te situar, Quinze Dias vai contar a história de Felipe, que é um adolescente com vários dilemas de adolescente, com o acréscimo de que ele é gay. E gordo. Durante as férias de julho, sua mãe - que é uma mãezona da porra - anuncia que o filho dos vizinhos vai passar quinze dias no apartamento dos dois enquanto os pais do menino vão viajar. Esse menino é Caio. Que é um legítimo sapão, segundo Felipe. O enredo vai trilhar o dia a dia desses dois nesses quinze dias e acompanhar todas as neuras e incertezas de um Felipe descobrindo-se para o amor. E isso é tudo o que você precisa saber antes de correr para devorar essa história. Mas já que você só vai conhecer a obra completa daqui a 7 anos, falemos de você.

Eu não vou dar detalhes de como você vai lidar com seus traumas e como vai se desenvolver afetivamente, mas eu posso te dar alguns conselhos. Na verdade, eu não. O livro. O Felipe. Uma pena você não ter conhecido Felipe aí em 2010. Te ajudaria a entender TANTA coisa. Te faria se sentir tão incluso. Sinceramente, Edward, Bella e Jacob são legais, mas eles não representam você. Eles não falam com você. O Felipe fala. A insegurança com seu corpo, seus dilemas de autoafirmação e essa mania de se esconder dentro de você mesmo. A história de Quinze Dias seria um tapa e ao mesmo tempo uma carícia para você. Tapa porque você enxergaria que é possível enfrentar seus medos. Carícia porque veria que é possível ser feliz do jeito que você é e não é preciso se esconder ou fingir o infingível.

Você, infelizmente, não tem ninguém para conversar sobre você mesmo. Suas amizades vão se afastar quando perceberem o inevitável. Não se culpe. Quem te ama de verdade vai permanecer. Dê mais valor às pessoas que não fazem brincadeiras com você e se afaste das que não conseguem ficar um dia sem zombar do seu jeito de ser. Também não precisa fingir que não entendeu a piadinha escrota. Você entendeu. E pode - e deve - retrucar. Manda essas pessoas se foderem. E não tenha medo delas. Você é maior que todos eles. Só precisa se dar conta disso.

Eu não sei quem seria eu aqui em 2017 se você fosse mais seguro de si. Talvez não tivesse mudado muita coisa. Talvez tivesse mudado tudo. No futuro você enfrentará outros dilemas da vida adulta, mas posso te garantir que os seus problemas vão se resolver. Não precisa se preocupar. Sua família te ama e você vai se dar conta disso. Não brigue tanto com a mãe. Você não entende. Mas ela sempre entendeu.

Sabe, você não emagrece. Desculpa te adiantar isso. Mas quer saber de uma coisa? Foda-se. Também vai se dar conta de que não adianta mover montanhas para agradar outras pessoas. Você precisa se amar e isso vai ser o suficiente. Ah, Caios vão aparecer. E você vai sofrer. Mas cada Caio será necessário para moldar o Gustavo dos 20 anos. Tem um Caio mexendo fortemente com meu coração neste momento e esse Caio parece ser O Caio. Posso estar enganado, mas tô me deixando levar... ok, essa informação nem era relevante para essa conversa, mas eu tô precisando externar esse sentimento todo. Desculpa.

Enfim, viu só como não foi "só" um livro que me fez te escrever? Foi toda a reflexão que tive de você e do processo que foi até eu me tornar eu. A história de Quinze Dias me deixou saudosista de um Gustavo que já foi inseguro e que tinha medo de ser quem era. De ser quem sou. Se você tivesse entrado em contato com histórias como a de Felipe e Caio, talvez as coisas tivessem sido diferentes.

Por isso esta carta não é somente para você, Gustavo de 2010. É para todos os Gustavos de todos os anos e idades, que ainda são presos dentro de si mesmos. Não tenham medo. Arrisquem, sonhem, vivam. A vida passa rápido demais para não sermos quem a gente é. No final das contas, o mundo é todo nosso. Né, Felipe?

Gratidão ao Vitor Martins por essa história tocante e incrível. E você, Gustavo, aproveita mais. Não sinta nojo de você mesmo. Vai facilitar tanto a minha vida aqui que você não tem noção. Eu te amo porque você é parte de mim e você vai amar o que eu me tornei. O que nós nos tornamos. O mundo realmente é todinho nosso.
Um beijo,
Gustavo. O de 20.


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