Jogos Macabros - R. L. Stine

Vocês podem observar que tenho levado a vontade de ler "livros que dão medinho" a sério, né? Essa foi mais uma tentativa, mas que, infelizmente, não correspondeu às expectativas. 

A Família Fear é cercada de mistérios e todos em Shadyside conhecem diversas histórias envolvendo o clã. Brendan Fear parece diferente: o gênio da escola, vive jogando World Warcraft com seus amigos e também cria seus próprios jogos. Do outro lado está Rachel Martin, uma adolescente certinha que estuda de manhã e trabalha de garçonete à tarde. Ela nutre uma paixão platônica por Brendan e ele parece finalmente notá-la: inesperadamente, a convida para sua festa de aniversário no casarão de veraneio da família, que fica na isolada Ilha do Medo. Apesar dos avisos da melhor amiga e do ex-namorado, Rachel está decidida a comparecer à festa, mas nem imagina que tipo de jogo planejaram para tornar o evento inesquecível. 

A premissa do livro é bem instigante e toda a condução até a fatídica desta mantém o ritmo de mistério e expectativa. Toda a construção do ambiente é feita na primeira e segunda parte, mas aí quando a festa finalmente chega, o nível simplesmente despenca. O autor abusa dos clichês e esterótipos para conduzir seu enredo e a sensação foi de assistir aqueles filmes de terror adolescente bem besteirol. A mocinha, que é a narradora, tem atitudes muito estúpidas e é impossível não se irritar com ela. Sabe aquela personagem que faz questão de escolher a opção mais idiota e óbvia na hora do medo? O grupo está em uma ilha isolada, sem celular, pessoas a quem pedir ajuda, sem barco e com um assassino à espreita. Eles, claro, decidem não se separar. Mas no primeiro susto, lá está Rachel correndo SOZINHA para dentro da casa, entrando em um quarto que - assim como os demais cômodos - está sem luz. Se a casa é mal-assombrada, por que alguém se esconderia lá dentro?

"De repente, eu me senti uma completa idiota.Talvez tudo fosse um jogo com Brendan. Quando ele me convidou para a festa... quando me escolheu para ser sua parceira na caçada aos objetos... quando me abraçou e beijou... Tudo um jogo? Tudo uma piada para ele?"

Aí me senti subestimada pelo autor. Sei da ampla experiência dele, e sei também que ele não escrevia sobre a série há vinte anos... e nesse tempo, muita coisa mudou, o leitor mudou, certo? Mas a impressão é que o autor parou no tempo e construiu seu "novo" livro nos "velhos" moldes. É notável que ele tem técnica: os personagens são apresentados na ordem certa, os capítulos terminam de forma motivadora para o leitor continuar lendo, as descrições são bem feitas deixando tudo muito visual, as pontas são bem amarradas, entre outras coisas, mas vi muita técnica e pouca sensibilidade.

O desenrolar é muito improvável mesmo dentro daquele cenário, os personagens são rasos, então não consegui criar empatia e me sensibilizar com os acontecimentos. Além disso, o autor fica sempre contando algo e, em seguida, volta atrás. No início, isso dá um alívio, mas depois tira a emoção, porque os fatos vão perdendo a credibilidade. Isso sem contar na tentativa de romance num momento totalmente inoportuno, improvável e incoerente. Desta vez, não culpo o momento, o público-alvo nem a tradução: R. L. Stine realmente errou a mão em Jogos Macabros.

Não acompanhei a série mais famosa do autor - Goosebumps -, mas assisti ao filme com meu filho e a atmosfera é a mesma: uma tentativa de terror/suspense, mas sem o compromisso de colocar medo, ficando quase cômico. Apesar de tudo isso, se tiver oportunidade, lerei outras obras do autor, porque acredito que ele faça melhor que isso, considerando o sucesso que faz, mesmo agora, 20 anos depois (a título de curiosidade: este seria o volume 52 da série). 

P.S. Ele também é autor de É o primeiro dia de aula... sempre! e tem resenha aqui no blog. 

Mini-opiniões: O Adulto - Gillian Flynn

Uma jovem ganha a vida praticando pequenas fraudes. Seu principal talento é a capacidade de dizer às pessoas exatamente o que elas querem ouvir, e sua mais recente ocupação consiste em se passar por vidente, oferecendo o serviço de leitura de aura para donas de casa ricas e tristes.
Certo dia, ela atende Susan Burkes, que se mudou há pouco tempo para a cidade com o marido, o filho pequeno e o enteado adolescente. Experiente observadora do comportamento humano, a falsa sensitiva logo enxerga em Susan uma mulher desesperada por injetar um pouco de emoção em sua vida monótona e planeja tirar vantagem da situação.
No entanto, quando visita a impressionante mansão dos Burke, que Susan acredita ser a causa de seus problemas, e se depara com acontecimentos aterrorizantes, a jovem se convence de que há algo tenebroso à espreita. Agora, ela precisa descobrir onde o mal se esconde, e como escapar dele. Se é que há alguma chance.
Minha leitura de Lugares Escuros não rendeu como eu esperava, mas ainda quero retomá-la, era só questão de momento mesmo. Com o lançamento deste conto, aproveitei para ter outra experiência - desta vez mais rápida - com a autora Gillian Flynn. Aqui, lendo a obra completa, pude ver como esta mulher realmente tem o dom para brincar com o psicológico do leitor e nos levar a caminhos inimagináveis. Sua protagonista aqui não é uma mocinha em perigo, mas alguém genuinamente trapaceiro, com facilidade para manipular e altamente gananciosa. Pela minha pequena experiência com a autora, uma típica protagonista dela, né?

É incrível como em pouquíssimas páginas ela consegue construir um ambiente verossímil, visual e sensível. Chegou a dar certo medinho e me trouxe a sensação de quando assisti O grito. O final foi à altura - inesperado e a mulher me fez de trouxa, óbvio. Gillian, isso é um jogo comigo, garota? A maioria dos contos que leio termina de forma aberta e isso pode ser ótimo por nos dar liberdade para imaginar o futuro a partir daquele ponto, mas pode ser péssimo justamente por tal liberdade. Qual a verdade, afinal? A curiosidade corrói e terminei O adulto com enormes pontos de interrogação, surpresa pelos acontecimentos e tentando digerir melhor a história. É inegável que a autora tem o dom para mexer com o psicológico do leitor.

Gostei? Não sei, mas esse conto foi uma pequena amostra do que me aguarda nos outros livros da autora e me deu mais ânimo ainda. Simplesmente não dá pra ignorar o talento da autora. Não se espante se no futuro eu fizer parte de algum fã-clube da autora, ok? Este conto foi escrito para uma antologia organizada por George R. R. Martin (O Príncipe de Westeros e outras Histórias).

Dias Perfeitos - Raphael Montes

Ainda da série "em busca de livros que dão medinho", peguei Dias Perfeitos, livro que tenho há dois anos na minha estante, já tinha ouvido muito sobre, mas ainda teimava em deixá-lo sem ler. Num impulso, decidi lê-lo e daí foi difícil largar (veja bem, eu terminei dentro da Bienal).

Téo é um jovem introvertido, estudante de medicina e sua melhor amiga é Gertrudes, uma senhora presente nas aulas de anatomia - estar morta e ser apenas um corpo para estudo não é um problema para ele. Ele mora com a mãe em um apartamento no Rio e essas são as pessoas com quem se relaciona diariamente. Durante um churrasco onde foi acompanhar a mãe, ele conhece a extrovertida Clarice, a moça de humanas. Um pequeno diálogo e, pronto, Téo está apaixonado por ela e precisa encontrá-la novamente. Inicia-se assim, o momento stalker da vida real e diante das negativas de Clarice, ele é obrigado a sequestrá-la. Mas tudo em nome do amor. Ele é um bom cara para ela, só precisa de espaço para mostrar e a convivência é ideal para que ela o conheça e sentimento se torne recíproco. Pelo menos é assim que ele pensa.

Eu li o livro um pouco atrasada, depois de ver inúmeras pessoas impressionadas com a grandiosidade da obra, amigos meus falando que o cara é genial entre outros elogios. O que isso faz com a expectativa? Explode. E, no meu caso, me fez ler com a razão aflorada, atenta para todos os passos e escolhas do autor. Exatamente pelo senso crítico no nível máximo, terminei a leitura ponderando muitos aspectos que me deixaram em dúvida se amei ou se me decepcionei. Um desenvolvimento tão preciso e cruel me fizeram esperar um final à altura, com todas as pontas amarradas em um nó imbatível. Acontece que o final foi surpreendente e talvez isso confunda na hora de avaliar. Ok, foi imprevisível, mas foi satisfatório, foi realmente bom ou o brilho da surpresa cegou? O livro tem inúmeros pontos positivos, mas sabe quando falta o gran finale para o veredito de que o autor é realmente genial? Vou tentar expressar de forma separada, fingindo que ainda não terminei e estou absolutamente impressionada com as atrocidades de Téo.

"Lentamente, Clarice se abria para ele, gostava dele. Era natural: ela não tinha mais ninguém. Ele a alimentava, dava carinho e atenção. O mínimo que podia esperar em troca era aquele afeto sutil, que logo ganharia vigor - ele tinha certeza. No fim das contas, mesmo mulheres feministas e alternativas se rendem a um homem de verdade."

A naturalidade com que é narrado todo o desenrolar da trama é perturbadora. A obra é contada em terceira pessoa e o narrador é totalmente impessoal, sem deixar transparecer o mínimo de julgamento para as atitudes e pensamentos do protagonista, portanto cabe ao leitor formar o pensamento e perceber o quanto aquilo é doentio. A frieza de Téo me assustava e, para piorar ainda mais a situação, ele pensa estar certo, sem a consciência da própria crueldade. Controverso a tudo isso, há certos escrúpulos presentes em sua personalidade e é interessante como até isso é usado para que ele não pareça uma pessoa má como um psicopata pré-disposto a crueldades em série. Ele só fez aquilo por Clarice, mas a respeita (dentro da cabeça dele) e tudo é em prol de um bem maior. O machismo é intrínseco à sua personalidade, como um princípio, uma tradição e leves pinceladas numa cena ou outra nos mostra mais esta faceta do personagem. Tudo isso me enjoou de uma forma que não sei mensurar, mas nada, absolutamente nada me preparou para o que eu presenciaria capítulo 24, onde foi o ápice da minha repulsa e eu parei de ler, totalmente tentada a abandonar o livro. 

É muito claro: o livro é ótimo, tem técnica, afeta as emoções do leitor, mexe com os sentidos, mas os acontecimentos são péssimos, a história é pesada ao mesmo tempo que fascinante, porque é impossível parar e ficar alheio aos eventos descritos. Tudo vai se encaixando e piorando e a falta de discernimento do protagonista é aterrorizante. Não dá para pensar num desfecho suficiente - suficientemente punitivo, suficientemente vingativo, suficientemente corretivo. Mas eu esperava ao menos um final atado, que unisse todas as coisas a que somos apresentados durante a narrativa. Sem contar que ainda achei corrido. Olha só, eu até acho que o livro poderia ter aquele final, mas desde que antes, houvesse um desfecho digno para algumas coisas à altura de todo o desenvolvimento. 

Raphael Montes já entrou para minha lista de autores que vou sempre ler, quero encontrar com ele ainda em O Vilarejo e Suicidas, e indico que entre nas suas leituras também. O final deste livro é altamente discutível, é até corajoso da parte dele, mas achei uma saída fácil diante da grandiosidade de toda a trama. Uma única coisa foi incoerente pra mim e tamanha conveniência me pareceu deslize do autor (a chave das algemas, milagrosamente, ao alcance do refém torturado e a possibilidade ainda de conseguir pegá-la e abrir as algemas - foi difícil visualizar essa cena na minha cabeça, ela parecia inverossímil diante do cenário). Enfim, apenas uma observação diante do todo + a decepção com o encarramento. Há muitos detalhes que enchem a trama e a deixam possível, como a forma que se desenrola o cárcere fantasiado de road-trip, mas prefiro não comentar para não estragar para quem ainda não leu a forma como as coisas se encaixam. Assim como a personalidade de Clarice e suas reações. 

Aqueles que conseguirem encarar a leitura, com certeza ficarão impressionados com o talento inegável do autor e ficarão marcados pela história, assim como eu fiquei. Amando ou odiando, é impossível ser indiferente a Dias Perfeitos.

P.S. Aqui no blog tem outra resenha de Dias Perfeitos, escrita pela Pamela. Clique aqui para ler.