Eu sempre tive uma dificuldade imensa de falar de mim mesma. Sou uma excelente ouvinte, sempre pronta para pensar em soluções para os problemas alheios e aconselhar sem qualquer julgamento. Mas quando chega na minha vez, eu não consigo me abrir. Meço palavras. Não revelo muito. Guardo, ignoro. Não acho que é relevante. Parece drama. Sei que a outra pessoa não vai poder resolver e logo desisto de ocupá-la com as minhas bagunças. Tenho uma visão muito clara dos meus problemas, o que tenho que fazer sem que ninguém precise falar, só simplesmente... não faço.
No começo de 2014 fiz o
texto que acho que é o mais pessoal que esse blog já teve. E aquilo foi o máximo que já consegui chegar de escrever e publicar sobre mim, mas basta lê-lo para ver que está todo enfeitado de palavras que escondem os fatos exatos. É tudo muito vago, apesar do sentimento ser verdadeiro. Para que me expor? Falar das minhas verdadeiras inseguranças? Ninguém vai entender.
Já tentei ter diários quando mais nova, mas minha mãe saía mexendo nas minhas coisas, meus cadernos, meu guarda-roupa e tirava qualquer sentimento de privacidade que eu podia ter. Isso me deixou receosa de escrever e ela encontrar. É possível mexer nos meus antigos cadernos e encontrar desabafos que eu sabia que ela leria - por mais bem guardados que estivessem, então eu escrevia na intenção disso. Desafiando. Quer saber das minhas coisas? Não consegue simplesmente conversar comigo? Então leia. Minhas frustrações. Minha raiva. Minha agonia. Meus piores sentimentos. Eu não pude nem contar que estava grávida como eu passei o final de semana planejando. Estava fora e quando voltei na segunda-feira pronta para colocar em prática, ela tinha encontrado minha agenda com o teste de gravidez. Frustrante, né?
Não preciso dizer a quantidade de discussões que tudo isso rendeu, certo? Então eu não conseguia conversar com as minhas amigas, também não podia escrever sobre mim, não havia um escape. Eu não queria conselhos, não queria uma lição de moral, só queria colocar para fora. Um ouvinte mudo. E eu não tinha. Veio então uma das fases mais determinantes da minha vida: conheci um cara muito bacana, nos apaixonamos, fazíamos tanta coisa juntos, éramos inseparáveis - se eu não dormia na casa dele, ele dormia na minha. Também troquei o curso da faculdade. Larguei a psicologia e parti para a administração, me encontrei. Conheci muitas pessoas. Me diverti demais. Engravidei. Assim, no primeiro ano da nova faculdade, saindo de um trabalho registrado e indo para um estágio na área. E agora? E todos os planos de me formar, trabalhar numa multinacional, fazer um intercâmbio? Tirando o intercâmbio, tudo aconteceu. Mas e o namorado perfeito? Ele disse que estaria do meu lado e esteve. Vamos casar? Vamos construir nossa casa? Para tudo isso a resposta seria sim, mas as coisas mudaram dentro de mim e ninguém conseguia entender ou perceber.
Eu não queria casar, não com ele. Eu queria minha casa, não nossa casa. Eu não queria mais aquele relacionamento. Eu já não me via com ele no futuro. No início, não consegui deixar isso claro, só me esquivava. Nem eu entendia, afinal, eu estava grávida de um cara que até então era o melhor namorado do mundo. Ele não sabia lidar com meu afastamento repentino no momento que ele achou que estaríamos mais próximos. Começou com um ciúmes que eu não entendia. Parecia coisa boba, como sempre parece, mas foi crescendo. Era inadmissível que eu simplesmente não o amasse (sim, ele me perguntou e eu respondi a verdade). Tapa na cara. Literalmente. Sim, estou empregando o "literalmente" corretamente na frase. O tapa foi na minha cara, se ficar alguma dúvida. Sim, antes disso já tinha aqueles famosos sinais: discussões sem motivo, acusações falsas para desestabilizar, pressão psicológica, chantagem. Era insustentável. Meu filho já tinha nascido a essa altura e os meses se passaram com uma sensação de estar anestesiada. Continuei a trabalhar, estudar. Agora era mãe também. Só não conseguia ser esposa. E também não conseguia ser solteira de novo.
No trabalho, uma colega falava de Crepúsculo. Como era maravilhoso, como Edward tratava a Bella e como era impossível não se apaixonar por ele. Como ler aquela história era viciante. Um vampiro? Até parece. Minha ex-cunhada havia comprado o dvd e deixado na sala de casa. Num domingo, saiu cedo com meu irmão para comer pastel na feira e eu, sozinha em casa, resolvi assistir aquela besteira. Não sei o que tinha ali, mas fui sugada para aquela história. A atmosfera de romance me fisgou e a sensação era muito boa. Um quentinho no coração. Voltei a falar com aquela colega do trabalho sobre a história. Mas ainda era estranho pensar em ler uma história assim. Será que vou gostar? Bem, vou comprar o livro na revista da Avon, custa só 12 reais. Se eu gostar, compro os demais. Se não curtir, não teria gastado tanto. Lua Nova estrearia dia 20 de novembro, eu teria exatamente um mês para ler e poder assistir o filme no cinema. Se eu achava que não era capaz de ler um livro em um mês, imagina que duas semanas antes da estreia, eu estava chorando desconsolada por ter terminado Amanhecer?
Virar aquelas páginas compulsivamente no caminho para a faculdade, depois para o trabalho, então para casa, me privava de pensar em tudo que estava acontecendo. A vida que eu estava levando. Me apaixonei - como previsto pela Débora - por Edward e concordava que aquele era o jeito de amar uma mulher. Era ceder, respeitar, conquistar. O Jake me tirava do sério. Eu não me interessava pelas suas histórias cansativas, seu jeito impositor, possessivo e agressivo era o contrário do que eu queria ver. Por favor, eu já vivia isso, né? Quando esses livros acabaram, eu precisava de outros. Como eu sobreviveria sem meu escape? E assim seguiu: eu comprava livros, pegava emprestado com outra amiga que também ficara apaixonada pela saga Crepúsculo e ia seguindo a vida. Minha separação finalmente aconteceu. Eu definitivamente não tinha mais como viver aquilo. Claro que ele não aceitou e lá se foram mais xingamentos, choro, chantagem. Foi embora.
Uma semana, veio o pedido para passar o final de semana com o filho e, claro, qual o problema? O problema era não querer devolver. Querer usar de moeda de troca. Meu pequeno de 7 para 8 meses. Eu era a vagabunda que estava com as amigas da faculdade num domingo a tarde enquanto ele estava com meu filho na casa dele. Agora, se você quiser, vai ter que buscar ele só amanhã, no meu trabalho. Lá fui eu na segunda-feira, depois do trabalho, buscar meu bebê. O trabalho ficava numa rua totalmente de comércios, então àquele horário, 8 da noite, já estava tudo fechado, completamente deserto. A própria loja que eles estavam, estava fechada. Chamei, a porta foi aberta e eu obrigada a entrar. Gritos desesperados que ninguém ouviria. Sangue que ninguém viu. Uma tortura psicológica que não dá para explicar e muito menos imaginar. O choro assustado do meu filho que acordou com meus gritos, ninguém nunca ouviu. A certeza de que seria morta ali, naquele lugar, na frente do meu filho que, com muita sorte sobreviveria, apesar das ameaças. Quatro horas. Finalmente estou no hospital, a única evidência física é um raio-x do meu nariz. Em mim, todas as cicatrizes que jamais seriam curadas. Dormir no quarto do meu irmão por mais de um mês, não conseguir ficar em casa sozinha, receber ligações constantes para saber se está tudo bem. E trabalhar. E estudar. E ser mãe.
Ler, ler sem parar. Não levantar mais a cabeça, só falar sobre amenidades, sumir dentro de si. Ser invisível. Seguir em frente, sem sair do lugar. Só passar os dias, sobreviver a mais um. Menos um. Quanto tempo se passou? 5 anos? 6? 2.190 dias, talvez um pouco mais, talvez um pouco menos. O espelho não existia mais. Acordar, tomar banho, sair pra faculdade, ir trabalhar. Sorrir porque é hora, fazer cara séria para se concentrar numa reunião, pedir um suco como de costume no almoço. Sair com as amigas no final de semana para que elas possam ver meu filho, afinal, acompanharam a gravidez inteira, participaram de tudo que podiam, viraram tias babonas. Olhavam pra mim, se preocupavam, mas não forçavam. Me mantinham ali. Mais importante: nunca desistiram de mim. Hoje eu sei disso, na época nem me dava conta. Sofri novas ameaças, tomei decisões precipitadas. Li. Li mais e mais. Eu precisava de um lugar para falar desses livros que eu tava lendo sem parar, precisava falar com alguém sobre eles. Um blog era uma ótima ideia. E foi o diário da minha vida ficcional por todo esse tempo. A vida nos livros estava ótima e meu assunto na internet era esse, então estava tudo certo, Aqui eu era a Ceile que queria ser. A louca por livros. Apaixonada. A que podia admitir que os livros eram a distração do que havia dentro.
Passando de 2014 para 2015, eu sabia que minha vida mudaria radicalmente. Era hora de acordar. Era hora de superar. Fiz planos, estava ansiosa pelas mudanças, confiante de que passaria por todas as dificuldades. E minha vida mudou radicalmente, de uma forma que eu nunca poderia esperar, mas, diferente do que eu planejara, continuava no mesmo lugar. Se eu tivesse saído, a mudança não seria tão grande. Voltei a ter espelho. O cabelo foi solto. Tive que comprar um novo rímel, porque os que eu tinha, haviam secado pelos anos sem uso. Emagreci sem dieta nem estar doente. Chuto que tenha perdido mais de 15 quilos, mas não sei dizer com precisão, porque eu jamais subi em uma balança nos últimos 5 anos. Todo mundo notou. Eu sorria, porque eu tinha vontade de sorrir e não conseguia ser diferente. Eu olhava para as pessoas. Eu conversava. Meu filho crescia tão rápido! Já estava escrevendo e meu último registro era de quando ele ainda mal sabia escrever o próprio nome.
Os livros? Não conseguia lê-los. O blog foi ficando sem atualização, porque eu não tinha mais inspiração para escrever, não conseguia ler histórias da ficção com a mesma atenção e assim não tinha material para postar. Eu só conseguia olhar para a vida real. De repente, eu tinha esperança de alguma coisa. Eu acreditava no futuro. Acredito. Deixo esse assunto específico para outro post, mas eu passei por uma transformação e tanto. Até a dor era bem vinda, era um lembrete que eu estava viva. Antes eu não sentia nada. Assim, eu passei a gostar de outras coisas. Arrumar meu quarto era uma delícia, lavar roupa e sentir o cheirinho de amaciante enquanto estendia no varal era delicioso. As pequenas coisas ganharam outro brilho. Eu me sentia brilhar. Gente, eu uso biquíni na praia! Não por conta do peso perdido, porque não sou satisfeita com meu corpo, mas uso porque não suporto usar maiô e a marca que fica, então não tenho vergonha do que os outros vão ver, não gosto mesmo é do que eu vou ver quando olhar no espelho e ver aquela barriga branca e as costas queimada com um círculo horrível. Estar com meu filho, sair com as minhas amigas e passar horas no sofá da casa de uma delas era maravilhoso, ir nos almoços da minha família e ver o quanto os filhos dos meus primos cresciam era ótimo. Eu queria escrever, mas nada saía. Quando conseguia alguma coisa, era bem distante do que eu escrevia antes, parecia não ter a mesma naturalidade, a graça tava perdida. Tava faltando paixão. Eu vinha pra cá para fugir de mim mesma, mas e como faço agora que eu quero me viver?
Amo o blog e continuo amando os livros, me cobro menos nas leituras - que delícia quando peguei um livro aleatório na estante que estava lá há mais de três anos e li sem preocupação. E quando isso se tornou normal. Quero voltar a atualizar bastante aqui, mas agora como a Ceile toda, a que ama ler, mas também ama ser mãe, ama cozinhar (comer muito também!) e arrumar a casa. A que ama ouvir 15851233 covers da mesma música, a que gosta de cuidar do cabelo e passar três quilos de rímel. A que ama servir a Deus e encontrou em Jesus Cristo o melhor que amigo que poderia ter. Vocês me dão licença para isso? Posso escrever aqui sem o risco da minha mãe mexer nas minhas coisas? Vocês podem me ajudar sugerindo temas? O blog não é só o blog. Eu uso muito o snapgram para fazer unboxing, falar das minhas leituras. Ainda não achei um jeito de voltar para o twitter de verdade, mas não me abandonem se acharem estranha esta "nova" Ceile. Mentira, adoraria que permanecessem, mas fiquem à vontade se não se interessarem mais pelos meus assuntos, ok? Só quero ser livre aqui onde, por tanto tempo, foi meu refúgio. Passei por tantas coisas e agora me sinto à vontade de falar, então também quero que vocês se sintam assim para compartilhar suas coisas.
Para quem não consegue falar de si, até que deu um textão, né? Pois é, até aqui já me vejo terminando este post diferente do que comecei. Revivi algumas coisas enquanto escrevia, coisas que ainda não foram apagadas, mas já não me definem mais. Consegui escrever sem derramar uma lágrima sequer, quem diria? É, é possível sobreviver e continuar. A luz do final do túnel existe sim, demorei para enxergar, mas hoje estou aqui falando que a escuridão passa. Tudo passa.